A Lei nº 14.230/2021 reformulou profundamente o regime das ações de improbidade administrativa no Brasil. Desde sua promulgação, instalou-se um intenso debate sobre a sua aplicabilidade retroativa e sobre a prescrição intercorrente de cinco anos. Essa discussão ganhou contornos definitivos após o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7.236, pelo Supremo Tribunal Federal.
Antes da reforma, a Lei nº 8.429/1992 mantinha um modelo punitivista, em que a improbidade se confundia, muitas vezes, com simples irregularidades administrativas. Esse cenário provocava insegurança jurídica e gerava punições desproporcionais. Com a nova lei, o sistema mudou radicalmente.
A partir de 2021, a responsabilização passou a exigir dolo específico, e a improbidade culposa foi eliminada. Assim, o direito administrativo sancionador se alinhou aos princípios contemporâneos do direito penal garantista. Essa mudança não foi apenas técnica, mas conceitual: a intenção comprovada tornou-se o núcleo da sanção.
Como ensinou Cesare Beccaria, “as leis que punem os crimes de intenção duvidosa são leis cruéis, pois punem o pensamento”. Portanto, o propósito da reforma foi afastar punições baseadas em presunções e restabelecer a intencionalidade como elemento essencial da responsabilidade.
ADI 7.236: o Supremo e a consolidação da prescrição intercorrente
O Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADI 7.236, sob relatoria do ministro Alexandre de Moraes, firmou a aplicação retroativa da Lei 14.230/2021, inclusive no tocante à prescrição intercorrente. O entendimento fixado determinou que o prazo de cinco anos, previsto no art. 23, §4º, alcança também os processos em curso, desde que ainda não haja trânsito em julgado da sentença condenatória.
Essa interpretação reforça o princípio da segurança jurídica (art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal). O Estado, portanto, não pode manter indefinidamente o cidadão sob incerteza processual, transformando o processo em uma pena velada.
O Supremo definiu que o prazo prescricional intercorrente deve ser contado a partir da última movimentação processual válida e útil. Quando transcorridos cinco anos sem impulso efetivo, extingue-se a pretensão punitiva do Estado. Dessa forma, o Tribunal reafirmou a importância do princípio da razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII, CF) e da vedação ao processo infinito, evitando a perpetuação de litígios.
Repercussões práticas: Ministério Público e Administração Pública
Os efeitos da decisão são imediatos e atingem milhares de ações. O Ministério Público precisará revisar seus acervos para identificar processos paralisados há mais de cinco anos. Da mesma forma, os entes públicos agora possuem um critério objetivo para encerrar demandas obsoletas. Assim, evitam-se desgastes institucionais e o uso desmedido do processo como ferramenta de punição.
Além disso, a decisão fortalece o papel do advogado — público e privado — como garantidor da legalidade e da segurança jurídica. Como destacou Rui Barbosa, “a advocacia é a sentinela avançada da liberdade”. Em um Estado Democrático de Direito, limitar o poder punitivo representa a preservação do equilíbrio entre o interesse público e os direitos individuais.
Um novo paradigma da improbidade administrativa
Com o julgamento da ADI 7.236, o STF consolidou um modelo mais técnico, proporcional e garantista. A improbidade administrativa deixa de ser instrumento de retaliação política ou moralismo punitivo, voltando-se apenas às condutas dolosas que causem dano efetivo ao erário ou violem os princípios fundamentais da administração pública.
Além disso, a retroatividade da lei mais benéfica e a fixação da prescrição intercorrente de cinco anos harmonizam-se com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Como lembrou Santo Agostinho, “a justiça não consiste apenas em dar a cada um o que é seu, mas também em não prolongar indefinidamente o peso da incerteza”.
Consequentemente, o STF reafirmou que não há justiça quando o tempo se transforma em punição. Essa compreensão consolida uma nova cultura jurídica: mais racional, previsível e centrada na proteção de garantias fundamentais.
Aplicação prática: o que gestores e agentes públicos precisam saber
Para gestores públicos e privados, o julgamento traz implicações concretas. Processos que permaneceram sem movimentação útil por mais de cinco anos podem ser extintos pela prescrição intercorrente, independentemente da data do suposto ato ímprobo.
Portanto, é essencial manter registros administrativos organizados — contratos, licitações, empenhos e demais documentos. A boa-fé administrativa, aliada à transparência, constitui a melhor forma de defesa contra acusações infundadas.
No âmbito empresarial, as empresas que contratam com o poder público devem reforçar seus programas de compliance e integridade. Mesmo com a exigência de dolo específico, a prevenção continua indispensável. Como ensinou Peter Drucker, “fazer a coisa certa é mais importante do que fazer a coisa do jeito certo”.
Dessa forma, a decisão do STF marca a transição de um modelo inquisitório e punitivo para outro garantista e racional, baseado na intenção dolosa, na proporcionalidade e na duração razoável do processo.
A combinação entre a Lei nº 14.230/2021 e o julgamento da ADI 7.236 inaugura uma nova era para o controle da improbidade administrativa no Brasil. O sistema sancionador deixa de punir o erro formal e passa a focar na má-fé comprovada, resgatando o equilíbrio entre accountability e segurança jurídica.
Em síntese, o Supremo reafirmou que a justiça não se realiza pelo excesso de punição, mas pelo respeito às garantias fundamentais. O verdadeiro Estado de Direito se fortalece quando há limite ao poder de punir, previsibilidade nas decisões e respeito ao tempo como fator essencial da justiça.
Prepare-se para o novo cenário jurídico da improbidade.
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