Você ganhou no CARF. Celebrou. Planejou o fluxo de caixa com base naquela decisão favorável. Mas, meses depois, descobre que o mesmo tribunal mudou de posição — e agora seu caso corre risco de reversão. Essa reviravolta não é ficção: é o cotidiano de quem lida com o contencioso administrativo brasileiro. Entender como o próprio tribunal institucionaliza a instabilidade interpretativa é essencial para não ser pego de surpresa quando o vento muda de direção.
O CARF e Suas Flutuações Jurisprudenciais
O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais é, por natureza, um órgão colegiado e paritário — metade conselheiros da Fazenda, metade representantes dos contribuintes. Essa composição, longe de garantir equilíbrio, frequentemente gera oscilações interpretativas. Uma câmara decide pela não incidência de PIS/COFINS sobre determinada receita; outra, pela tributação integral. O que deveria ser estabilidade vira instabilidade institucional.
Essas mudanças não decorrem necessariamente de má-fé. Refletem, muitas vezes, a composição rotativa dos conselheiros, a pressão arrecadatória do governo e a ausência de uma doutrina administrativa vinculante. O resultado prático? Empresas que planejaram com base em precedentes favoráveis podem ver seus passivos ressurgirem como fênix tributária.
Vale observar que o CARF não está obrigado a seguir seus próprios precedentes. Diferentemente do Judiciário, onde súmulas e teses vinculantes orientam decisões futuras, o contencioso administrativo opera com margem interpretativa mais ampla. Isso significa que uma vitória hoje não garante proteção amanhã — e é justamente nesse terreno movediço que o contribuinte precisa pisar com perícia.
Quando a Mudança de Entendimento Atinge Seu Processo
A primeira reação é de perplexidade. “Mas eu ganhei com base nessa mesma tese!” A resposta é simples e brutal: ganhou, mas o CARF mudou de ideia. E agora? A defesa começa pela análise minuciosa do novo entendimento. Nem toda mudança jurisprudencial é legítima. Algumas violam princípios constitucionais — como a segurança jurídica, a proteção da confiança legítima e a irretroatividade das normas.
Se a nova interpretação for adotada em julgamento de recurso especial ou de uniformização, ela pode, em tese, alcançar processos ainda em curso. Mas há limites. A mudança de entendimento não pode retroagir para prejudicar contribuintes que agiram de boa-fé, com base em orientação anterior do próprio órgão. Esse é um argumento defensivo robusto, amparado pela doutrina e por decisões do STF que reconhecem a intangibilidade da confiança legítima.
Outro ponto crucial: diferenciar mudança de entendimento de erro de julgamento. Se o CARF simplesmente ignorou provas, afastou legislação aplicável ou desrespeitou precedentes vinculantes do Judiciário, não há mudança de entendimento — há nulidade. E nulidade se combate com embargos de declaração, recursos e, se necessário, mandado de segurança.
Estratégias Práticas de Defesa
A primeira linha de defesa é interna: esgotar os recursos administrativos. Embargos de declaração para apontar contradições, obscuridades ou omissões. Recurso especial ao presidente do CARF quando houver divergência entre turmas. Cada etapa administrativa custa menos que o Judiciário e pode reverter a desfavorabilidade.
Se a mudança de entendimento ocorrer em momento processual que ainda permita sustentação oral, use-a estrategicamente. Leve ao colegiado julgador não apenas a jurisprudência favorável, mas a fundamentação constitucional e principiológica. Mostre que a mudança prejudica a segurança jurídica e viola a boa-fé objetiva. Conselheiros sensíveis ao Estado de Direito — e eles existem — podem ser sensibilizados por essa argumentação.
Paralelamente, prepare o terreno judicial. Se a decisão administrativa final for desfavorável, o mandado de segurança ou a ação anulatória devem estar prontos para protocolo imediato. A vantagem do Judiciário é a vinculação aos precedentes do STF e STJ. Se há súmula vinculante, tese de repercussão geral ou tema repetitivo favorável, o juiz não pode simplesmente ignorá-los — diferentemente do CARF.
Outra estratégia subutilizada: a modulação dos efeitos. Se a mudança de entendimento for inevitável, pode-se pleitear que ela produza efeitos apenas prospectivos, preservando situações consolidadas. Esse pedido, embora raro no contencioso administrativo, encontra respaldo no artigo 927, § 3º, do CPC, aplicável subsidiariamente ao processo administrativo fiscal.
A Dimensão Ética e Filosófica da Insegurança Jurídica
Há algo profundamente inquietante numa estrutura que permite ao próprio julgador mudar as regras do jogo em andamento. Santo Tomás de Aquino ensinou que a lei deve ser estável, conhecida e aplicável com constância — do contrário, deixa de ser lei e vira arbítrio. Quando o CARF flutua ao sabor das conveniências arrecadatórias ou das composições políticas, compromete sua própria legitimidade.
Não se trata de defender que o tribunal seja refém de decisões passadas. Evolução interpretativa é saudável. O problema surge quando essa evolução se dá de modo assistemático, imprevisível e retroativo. O contribuinte que pautou sua conduta em orientação anterior não pode ser penalizado por confiar no Estado — essa confiança é pressuposto de qualquer ordem jurídica civilizada.
A insegurança jurídica tem custo econômico mensurável: inibe investimentos, eleva o custo de conformidade, desestimula o planejamento tributário lícito. Mas tem também custo moral: corrói a confiança nas instituições. E instituições sem confiança não administram — apenas exercem poder bruto.
Conclusão: Vigilância Permanente e Defesa Estratégica
Vencer no CARF não é ponto final — é vírgula. A gestão responsável do contencioso administrativo exige acompanhamento constante da jurisprudência, análise de riscos e preparação de defesas em múltiplas camadas. Mudanças de entendimento são inevitáveis, mas não precisam ser fatais. Com argumentação consistente, fundamentação principiológica e, quando necessário, judicialização tempestiva, é possível proteger direitos mesmo em terreno instável.
Para entender como essa instabilidade foi consolidada em norma regimental, leia sobre a Súmula 169 do CARF: A Insegurança Jurídica Oficializada, que detalha os mecanismos pelos quais o próprio tribunal legitimou a imprevisibilidade interpretativa.
AVISO LEGAL
Este conteúdo tem caráter informativo e não substitui consultoria jurídica específica. Cada caso tributário possui particularidades que demandam análise individualizada por profissional habilitado.
Se você está enfrentando reversão de julgamento no CARF ou quer prevenir surpresas no contencioso administrativo, entre em contato. A defesa eficaz começa com quem conhece tanto a legislação quanto os bastidores do tribunal — e sabe transformar instabilidade jurisprudencial em oportunidade de construção de teses robustas. Agende uma consulta e proteja seus direitos com quem tem 40 anos de experiência em contencioso tributário.
Siga nossas redes e fique por dentro de assuntos como esse e muito mais!
Instagram
Spotify
Linkedin
Whatsapp