O Silêncio Perigoso em Torno do ITCMD
Há um velho ditado mineiro que aprendi com meu avô: “Quando o silêncio é grande demais, é porque a tempestade vem pesada.” E no cenário tributário brasileiro de 2025, o silêncio em torno do ITCMD — Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação — é ensurdecedor. Enquanto empresários debatem apaixonadamente CBS e IBS, enquanto contadores estudam o split payment, enquanto o noticiário econômico se concentra no IVA Dual, o imposto sobre heranças passou por uma metamorfose radical que poucos notaram e menos ainda compreenderam. Em quatro décadas defendendo contribuintes neste país, posso afirmar com a autoridade de quem esteve na trincheira: o que a Reforma Tributária fez com o ITCMD não foi mera atualização legislativa. Foi, mineiramente falando, um “jeitinho constitucional” de transformar sucessão patrimonial em arrecadação compulsória. E o pior: fizeram isso com o aplauso de quem acredita que progressividade sempre rima com justiça.
A Emenda Constitucional 132/2023 redesenhou completamente o ITCMD, ampliando sua incidência, majorando suas alíquotas e criando uma teia de obrigações que transforma o planejamento sucessório — outrora direito legítimo de qualquer família — em verdadeira operação de guerra fiscal. O que você está prestes a ler não é teoria acadêmica nem prognóstico alarmista. São fatos concretos, mudanças aprovadas, armadilhas montadas e estratégias de sobrevivência para quem quer transmitir patrimônio aos seus descendentes sem que o Estado devore metade do bolo antes que chegue à mesa da família.
Como diria Aristóteles, a virtude está no meio-termo. Mas aqui, caro leitor, o legislador escolheu os extremos: progressividade máxima, base de cálculo a mercado e alcance extraterritorial. O que significa isso para você e sua família?
A Progressividade: Quando Robin Hood Vira Coletor de Impostos
A mudança mais alardeada — e mais incompreendida — é a progressividade obrigatória das alíquotas. O artigo 155, §1º, VI da Constituição Federal agora determina que o ITCMD “será progressivo em razão do quinhão, do legado ou da doação”.
Traduzindo do juridiquês para o português claro: quanto maior a herança ou doação, maior o percentual que o Estado morderá. A alíquota pode variar de 2% até 8%, conforme regulamentação estadual, respeitando o teto definido pelo Senado Federal.
Aqui está o ponto: em São Paulo, por exemplo, a alíquota era fixa em 4%. Agora, com o Projeto de Lei 409/2025 em tramitação na ALESP, propõe-se progressividade de 1% a 4%, enquanto o PL 07/2024 sugere o caminho inverso — de 4% a 8%. A diferença? Centenas de milhares de reais em impostos para patrimônios acima de R$ 10 milhões.
Dados reveladores: Em janeiro de 2025, apenas em São Paulo, a arrecadação de ITCMD atingiu R$ 219,5 milhões — um aumento de 34,1% em relação a 2024. E isso ainda sob as regras antigas. Imagine quando a progressividade plena entrar em vigor.
Você já calculou quanto sua família pagará de ITCMD sob as novas regras? Se a resposta é não, você está navegando às cegas em águas traiçoeiras.
Base de Cálculo a Valor de Mercado: O Golpe Silencioso
O PLP 108/2024, em tramitação no Senado, traz uma mudança que muitos advogados ainda não compreenderam em sua totalidade: a base de cálculo do ITCMD sobre participações societárias deixa de ser o valor patrimonial contábil e passa a adotar o valor de mercado.
Permita-me ilustrar com um caso real de minha prática: uma holding familiar em Minas Gerais possui três imóveis comerciais adquiridos nos anos 1990 por R$ 500 mil cada. No balanço contábil, considerando depreciação, esses imóveis valem R$ 800 mil. Porém, a valor de mercado, em 2025, esses mesmos imóveis valem R$ 12 milhões.
Sob as regras antigas: ITCMD de 4% sobre R$ 800 mil = R$ 32 mil. Sob as novas regras: ITCMD progressivo de até 8% sobre R$ 12 milhões = até R$ 960 mil.
A diferença? 3.000% a mais em tributação. Não é erro de digitação. É a realidade que bate à porta.
Mas aqui está o problema: a legislação ainda não define claramente os critérios de avaliação. Será laudo de mercado? Quem homologa? O Fisco pode arbitrar? Essas lacunas criam um campo minado de insegurança jurídica que exige Análise tributária personalizada antes de qualquer movimentação patrimonial.
A progressividade do ITCMD pode elevar a tributação de 4% para 8%, enquanto a mudança na base de cálculo para valor de mercado pode triplicar ou quadruplicar o montante devido — transformando um planejamento sucessório mal estruturado em um desastre fiscal para a família.
Tributação do Exterior: O Fim do Refúgio Offshore
Durante décadas, a discussão sobre ITCMD e bens no exterior pairou em uma zona cinzenta constitucional. O STF chegou a declarar inconstitucional a cobrança do imposto sobre heranças e doações de bens situados fora do Brasil, por ausência de lei complementar regulamentadora.
Quer saber o melhor? A Reforma Tributária resolveu esse “probleminha” não por lei complementar, mas via emenda constitucional — o famoso “canetaço” que mencionei anteriormente.
Agora, enquanto não houver lei complementar (e não há previsão de quando virá), aplica-se regramento provisório: o ITCMD sobre bens no exterior será devido ao estado onde o falecido era domiciliado ou, se domiciliado no exterior, onde o sucessor reside.
Tradução prática: aquele apartamento em Miami, as ações na bolsa de Nova York, a conta bancária em Portugal — tudo isso agora está no radar do Fisco estadual brasileiro. E os estados, sedentos por receita, já estão afiando suas garras fiscalizatórias.
Estatística alarmante: Segundo levantamento de grandes escritórios de advocacia, houve aumento médio de 40% na procura por serviços de planejamento sucessório em 2024, justamente pelo temor dessas mudanças. Famílias que ignoraram esse alerta agora enfrentam custos exponencialmente maiores.
PGBL, VGBL e a Armadilha da Previdência Privada
Uma das mudanças mais sorrateiras — e que pegará muitos desprevenidos — diz respeito aos planos de previdência privada. Historicamente, PGBL e VGBL eram considerados instrumentos de proteção patrimonial e sucessória, com tratamento fiscal diferenciado.
A Reforma Tributária jogou essa estratégia pela janela.
As novas regras:
- PGBL: será tributado pelo ITCMD independentemente do prazo de investimento
- VGBL: sofrerá incidência do ITCMD se os recursos forem resgatados antes de cinco anos da aplicação
Para quem usava previdência privada como veículo de blindagem patrimonial, isso representa uma reviravolta estratégica. Milhares de famílias estruturaram seus patrimônios dessa forma nos últimos anos, acreditando estar protegidas. Agora, descobrem que o jogo mudou no meio da partida.
Como disse Cervantes em Dom Quixote: “Advertido não morre inimigo.” Mas quantos foram verdadeiramente advertidos?
Distribuição Desproporcional de Lucros: A Holding Familiar na Mira
Aqui mora um dos diabos mais astuciosos desta Reforma. A regulamentação incluiu dispositivo que tributa pelo ITCMD a distribuição desproporcional de lucros em holdings familiares, quando não houver justificativa técnica ou econômica plausível.
Cenário típico antes da Reforma: Pai, mãe e dois filhos, cada um com 25% de uma holding patrimonial. O pai, que atua operacionalmente, recebe 50% dos lucros; os demais, 16,67% cada. Perfeitamente legal e comum.
Cenário pós-Reforma: Essa mesma distribuição pode ser qualificada como doação disfarçada, atraindo ITCMD sobre a diferença. O Fisco entenderá que o pai “doou” parte de seu direito aos lucros para si mesmo, em detrimento dos demais sócios.
Holdings familiares que distribuem lucros desproporcionalmente estão na linha de tiro do ITCMD. É imperativo revisar estatutos, acordos societários e práticas de distribuição de dividendos antes que o Fisco bata à porta com auto de infração.
A Competência Tributária: Onde Pagar?
Antes da Reforma, havia confusão sobre qual estado tinha competência para cobrar ITCMD em transmissões causa mortis: o do domicílio do falecido ou o do local do inventário?
A Reforma esclareceu: a competência é do estado onde o falecido era domiciliado, independentemente de onde se processe o inventário. Isso traz duas consequências práticas:
- Liberdade de foro: a família pode realizar inventário extrajudicial em qualquer tabelionato do Brasil, sem embaraços tributários
- Aplicação de isenções: se o estado de domicílio do falecido prevê isenções, elas se aplicam mesmo que o inventário ocorra em outra unidade federativa
Essa mudança, ao contrário das demais, favorece o contribuinte — uma raridade nesta Reforma.
O Planejamento Que Salva: Estratégias Mineiramente Prudentes
Diante desse cenário de guerra fiscal sucessória, o que fazer? Como proteger o patrimônio familiar sem cair nas armadilhas do ITCMD turbinado?
Em 40 anos de prática jurídica, desenvolvi o que chamo de Método do Meio-Termo Aristotélico aplicado ao Direito Sucessório. Não se trata de evasão — crime que repudio veementemente — mas de elisão fiscal inteligente, perfeitamente legal e moralmente legítima.
Estratégias essenciais para 2025:
1. Antecipação estratégica de doações: Realizar doações em vida ainda em 2025, antes que estados mais agressivos elevem alíquotas ao teto de 8%. Em São Paulo, a janela de oportunidade está se fechando.
2. Reestruturação de holdings familiares: Revisar cláusulas de distribuição de lucros, implementar pro-labore justificado, documentar funções operacionais de cada sócio. Um planejamento sucessório estratégico bem estruturado pode reduzir drasticamente a carga tributária.
3. Diversificação de domicílio fiscal: Para famílias com alto patrimônio, considerar mudança de domicílio para estados com legislação mais favorável (desde que genuína, não simulada).
4. Testamento com cláusulas de otimização fiscal: Uso de usufruto, fideicomisso e outras ferramentas do Direito sucessório com testamento e planejamento fiscal para diferir ou reduzir a carga tributária.
5. Revisão de estruturas offshore: Adequação de veículos internacionais à nova realidade de tributação extraterritorial, com planejamento que resista a eventuais questionamentos do Fisco.
Para compreender como essas mudanças se inserem no contexto maior da tributação sobre consumo, vale entender também o Guia completo sobre IBS e CBS, já que a Reforma é multifacetada e exige visão panorâmica.
O Fator Justiça: Crítica Necessária ao Sistema
Não seria honesto encerrar este artigo sem uma reflexão sobre a justiça — ou injustiça — dessas mudanças.
A progressividade, em tese, atende ao princípio da capacidade contributiva: quem tem mais, paga mais. Nada mais justo, dirão os defensores da Reforma.
Mas aqui está o problema fundamental: essa lógica ignora que o patrimônio transmitido já foi tributado durante toda uma vida. Quando um empresário vende sua empresa, paga Imposto de Renda sobre o ganho de capital. Quando aufere lucros, paga IRPJ e CSLL. Quando distribui dividendos… bem, até recentemente não pagava, mas isso também mudou.
O ITCMD, portanto, não é tributação sobre riqueza nova — é re-tributação sobre riqueza já tributada. É o Estado mordendo duas, três, quatro vezes o mesmo bolo.
Como digo a meus clientes, citando Tomás de Aquino: “A lei injusta não é lei, é violência.” E quando o Estado tributa o mesmo fato gerador múltiplas vezes, aproxima-se perigosamente dessa violência institucionalizada.
A Reforma do ITCMD não é apenas mudança técnica — é redistribuição forçada de patrimônio. Progressividade de até 8%, base de cálculo a mercado, tributação de bens no exterior e alcance sobre previdência privada transformam o imposto em confisco velado. Apenas planejamento sucessório robusto, juridicamente blindado e eticamente irrepreensível pode proteger famílias dessa nova realidade tributária.
Conclusão: A Hora de Agir É Agora
Guimarães Rosa escreveu que “o real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia.” No direito tributário, especialmente neste momento de transição da Reforma Tributária, essa frase nunca foi tão verdadeira.
Estamos no meio da travessia. 2025 é ano de adaptação, de reestruturação, de decisões estratégicas que definirão o destino patrimonial de famílias inteiras. Quem age agora, com planejamento sólido e assessoria especializada, navega essas águas turbulentas com segurança. Quem posterga, pagará — literalmente — o preço da inércia.
Em quatro décadas defendendo contribuintes, jamais vi momento tão crítico para o planejamento sucessório quanto este. O ITCMD da Reforma Tributária não é só aumento de imposto — é mudança estrutural no modo como o Estado se relaciona com a propriedade privada e a transmissão patrimonial intergeracional.
A pergunta que fica: você vai esperar a tempestade chegar ou vai preparar o navio enquanto há tempo?
Se você precisa de orientação personalizada para proteger seu patrimônio familiar diante dessas mudanças radicais, Agende sua Análise Tributária Personalizada com Juvenil Alves Advogados Associados — 40 Anos Defendendo Contribuintes na Linha de Frente da Guerra Fiscal Brasileira.
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