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Nova lei do saneamento básico: uma verdadeira utopia.

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O projeto de Lei nº 4.162/19, responsável pela nova lei do saneamento básico, é natimorto. Na verdade, é o famoso projeto é para boi dormir.

Juvenil Alves

Nova lei do saneamento básico, o Senado aprovou, em 24 de junho, o Projeto de Lei nº 4.162/19, que estabelece o novo marco regulatório do saneamento, alterando importantes leis que regulam a matéria de saneamento básico no país. As Leis nº 9.984/00, que criou a Agência Nacional de Águas (ANA), e a Lei nº 11.445/07, que estabelece as diretrizes nacionais para o saneamento básico, foram alteradas.

Na minha opinião e de minha equipe de ambientalistas, faltou cumprimento à Lei anterior e muitas mudanças foram mais propaganda do que efetiva necessidade de nova lei.

Fui consultor ambiental nos Planos de Saneamento Básico das Cidades de Castelo do Piauí, Belford Roxo, Visconde do Rio Branco e Itapecerica da Serra.

Conheci de perto o cotidiano sanitário de cidades com grande carência de saneamento, como é o caso de Castelo do Piauí e Belford Roxo. Em nenhuma destas cidades nada foi feito ainda para cumprir a própria Lei nº 11.445/07.

Então, como legislador e sanitarista, posso afirmar: para que uma nova lei do saneamento básico?

O Projeto de Lei nº 4.162/19 havia sido aprovado pela Câmara dos Deputados e encaminhado ao Senado em dezembro de 2019, tendo como principal objetivo a viabilização da universalização dos serviços de saneamento básico – 99% para fornecimento de água e 90% para coleta e tratamento de esgoto – até o ano de 2033.

Serão necessários, para a universalização, mais de R$ 500 bilhões em investimentos.

Quem fará este investimento? Há empresas dispostas a custear a pobreza para dar saneamento a quem de fato precisa? Esse ônus é do Estado, na minha opinião. Ou se assume de vez mais esse custo, ou não se terá saneamento básico na maioria dos lares brasileiros.

Cria-se poderes para a ANA, mas o problema não é delegação de poderes, e sim quem pagará a conta para o consumidor. A maioria da população brasileira não tem dinheiro para pagar por captação de esgoto e nem por água potável. Além disso, cidade em que trabalhei, como Belford Roxo, 75% da água própria para o para o consumo não é tarifada, porque todos vivem do “gato” da água e da luz elétrica. Esgoto Sanitário é palavra que não se fala naquela localidade, malgrado a grande necessidade.

A universalização já era prevista na lei anterior e fracassou. Qual situação teria mudado depois de 2007, que possa dar segurança de que a nova lei vá resolver? Os pobres passaram a ter renda para adquirir saneamento?

São itens relevantes da nova lei:

  • Padrões de qualidade e eficiência do saneamento;
  • Regulação tarifária de serviços públicos de saneamento;
  • Padronização dos instrumentos negociais de prestação de serviços públicos de saneamento básico;
  • Metodologia de cálculo de indenizações devidas em razão dos investimentos realizados e ainda não amortizados ou depreciados;
  • Reuso dos efluentes sanitários tratados.

Mas todos já estavam previstos na lei anterior.

Há um personagem de Dante Alighieri que chegando ao inferno diz que seriam necessárias mais leis, ao que foi respondido que muitas leis existem, mas não há quem as cumpra.

Quer um exemplo disso? A obrigatoriedade de processo licitatório e a comprovação de capacidade econômico-financeira para atingir as metas contratadas, que a nova lei diz inovar. Tais premissas já estão na Lei nº 8.666/93, de uma forma ou de outra.

Inovações positivas:

  • A prestação de novos serviços públicos de saneamento básico por corporação que alheia do município titular dos serviços passa a ser realizada necessariamente por meio de contrato de concessão, condicionada à participação em processo de licitação. 
  • Contratos de programa, como também já eram vedados outros instrumentos de natureza precária para contratação de serviços públicos, como os convênios e os termos de parceria.
    Entretanto, os contratos de programa atuais poderão ser renovados por até 30 anos, desde que o sejam até 31 de março de 2022 e contenham as cláusulas essenciais previstas nas Leis nº 8.987/95 e 11.445/07.
  • Adoção de arbitragem da Lei nº 9.307/96 (Lei de Arbitragem), que teve substancial valorização depois do CPC de 2015.

 A utilização de processo licitatório, em todas as hipóteses, não chega a ser novidade. Vale registrar também que a Lei de Licitação é que deveria sofrer alteração, e não a de saneamento básico.

A regionalização dos serviços de saneamento já tinha previsão e não decolou porque há regiões tão paupérrimas que, nem com o agrupamento de diversas cidades, não aglutinaria volume suficiente para garantir a sustentabilidade do sistema.

A União poderá ficar a cargo de estabelecer unidades regionais de saneamento básico pela junção de dois ou mais municípios quando o Estado não o fizer no prazo de 1 ano da publicação da lei resultante do PL 4.162/19. Esse regramento é utópico na maioria das regiões brasileiras. Lei não gera riqueza.

O problema é que nem a União e nem o Estado operarão um milagre a gerar rendas em centenas de lugares, que só adquirem pão com a ajuda dos programas sociais.

Vi isso de perto em Belford Roxo, que fica a 30 quilômetros do Rio de Janeiro. Nem mesmo em Castelo do Piauí seria viável, porque o município mais próximo fica a 100 quilômetros e há distritos naquela cidade que ficam a 80 quilômetros da sede. Regionalização é ficção.

 Alteração relevante refere-se aos aterros sanitários – os conhecidos “lixões” – cuja disposição final ambientalmente adequada (distribuição de rejeitos em aterros) passa a ter prazo máximo de implementação até 31 de dezembro de 2020 por todos os municípios, com exceção daqueles que já tenham elaborado plano intermunicipal de resíduos sólidos, ou plano municipal de gestão integrada de resíduos sólidos.

Juvenil Alves

Nesses últimos casos, capitais integrantes de regiões metropolitanas passam a observar o prazo-limite de 2 de agosto de 2021, enquanto os municípios com população superior a 100 mil habitantes e municípios cuja mancha urbana da sede municipal esteja situada a menos de 20 km da fronteira ganham mais um ano (até 2 de agosto de 2022).

Já os municípios com população entre 50 e 100 mil habitantes e aqueles com população inferior a 50 mil habitantes receberam mais dois e três anos, respectivamente, ou seja, podem cumprir tais metas até 2023 e 2024. Essa alteração é importante, mas não demora alguma portaria suspender esses prazos, porque prefeitos dirão que não tem condições de transportar os resíduos. Na lei anterior já havia prazos. O que a nova lei fez foi dar aval para inadimplência das prefeituras.

Pretendo escrever mais sobre o assunto, com maior profundidade, esperando tão somente a sanção da Presidência para ver como ficará o texto final.

Neste momento, salvo raríssimas exceções, não há o que comemorar na área do saneamento. A lei nova não trará nenhuma mudança para a vida das pessoas e nossas crianças continuarão convivendo com esgoto. Quem viver, verá.

Leia também: Saneamento Básico e a incidência do ISS.

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