Sou Juvenil Alves, advogado e vaticanista, autor do blog Juvenil Alves Sem Juridiquês e Muito Mais. Desde que li O Papa de Hitler, fiquei intrigado e, de certa forma, indignado com a tese defendida por John Cornwell. Na época, achei a argumentação exagerada e injusta com Pio XII, e hoje sei que o próprio autor reviu suas posições, reconhecendo que suas conclusões foram precipitadas. Sempre considerei Pio XII cauteloso, mas jamais omisso. É fácil, décadas depois, analisar com frieza um período de extrema dificuldade mundial e criticar um líder como Pio XII, que não possuía exércitos, mas tinha milhares de amigos judeus e precisava agir com extrema prudência ao lidar com o judaísmo e os nazistas. Como vaticanista, tenho tranquilidade em afirmar que Eugenio Pacelli foi prudente, mas nunca omisso. Além disso, Pacelli, apesar de ser um grande teólogo, tinha sua maior habilidade na gestão administrativa, algo que herdou de sua família, que sempre esteve envolvida na política religiosa.
O pontificado de Pio XII (1939-1958) continua sendo um dos mais controversos da história moderna da Igreja Católica, principalmente devido à sua postura durante a Segunda Guerra Mundial e o Holocausto. Enquanto alguns o veem como um líder prudente que trabalhou nos bastidores para salvar vidas, outros o criticam por sua aparente falta de ação pública contra o regime nazista.
Quando se esperava que o tema sensível tivesse de certa forma estacionado em seu maior grau de tensão, a visita de João Paulo II a Jerusalém em 2000 reacendeu a polêmica. Sem condenar a Igreja e Pio XII, por óbvio, o Papa polonês tocou no tema da Shoá, o que despertou ressentimentos em parte da comunidade judaica.
Durante a visita a Jerusalém, João Paulo II não ofereceu uma defesa pública específica de Pio XII, nem respondeu diretamente às críticas sobre sua atuação na guerra. Sua estratégia foi falar em termos gerais: expressou tristeza e arrependimento pelos erros dos filhos da Igreja contra os judeus, mas sem citar nomes ou culpar pontífices passados. Nos bastidores, fica claro que o Papa e o Vaticano agiram com cautela deliberada. Analistas católicos e judeus ponderaram que seria inédito e teologicamente problemático um Papa pedir perdão nominal pelos atos (ou omissões) de outro Papa. Em vez disso, João Paulo II fez o que estava dentro do “limite do possível”: reconheceu genericamente a culpa cristã e homenageou as vítimas, evitando, porém, um mea culpa direto em nome de Pio XII.
Conforme observadores da época, uma desculpa específica pelas ações (ou falta de ação) de seu predecessor talvez excedesse aquilo que um pontífice poderia fazer, dado o respeito institucional pela memória dos Papas anteriores.
É importante notar que João Paulo II já vinha preparando o terreno para essa reconciliação histórica. Poucos dias antes da viagem, em 12 de março de 2000, ele celebrara no Vaticano uma Missa de perdão pedindo desculpas pelos pecados da Igreja ao longo dos séculos – incluindo a hostilidade contra os judeus – como parte do Jubileu. Nesse pedido de perdão histórico, porém, ele também não mencionou explicitamente o Holocausto ou Pio XII, o que já havia suscitado comentários reservados do rabinato israelense. Em Jerusalém, portanto, João Paulo II manteve essa linha: lamentou profundamente a Shoá e o antissemitismo cristão, mas sem culpar diretamente a liderança católica da época. O Vaticano, por sua vez, sustentava há anos que as ações de Pio XII durante a guerra – embora discretas – buscaram salvar o maior número possível de judeus e defendia sua memória frente às acusações de indiferença. Essa posição ficou evidenciada em documentos como “Nós nos lembramos: uma reflexão sobre a Shoá” (1998), e na própria abertura gradual de arquivos históricos da Segunda Guerra (ainda que os arquivos completos de Pio XII só viriam a ser abertos em 2020). João Paulo II não entrou nesses detalhes em público durante a visita, evitando transformar o momento de reconciliação em um debate histórico defensivo.
Em suma, registros jornalísticos e históricos confirmam que houve críticas à postura de João Paulo II sobre o legado de Pio XII durante sua visita a Jerusalém. Líderes judeus esperavam um pedido de perdão explícito pelo silêncio da Igreja no Holocausto, expectativa que não foi plenamente atendida. O Papa, embora solidário e emotivo em relação à tragédia judaica, optou por não mencionar Pio XII diretamente – decisão que foi questionada por alguns, mas compreendida por outros como parte dos limites institucionais do papado. Não houve uma “justificativa” formal explícita dada por João Paulo II naquele momento para essa omissão; ao invés disso, ela foi entendida à luz da política do Vaticano de defender a memória de Pio XII e da preferência do Papa em enfatizar a reconciliação presente sem reabrir conflitos do passado. Apesar das divergências sobre esse ponto, a visita foi amplamente vista como um marco positivo – “um ato nobre”, nas palavras do premiê Ehud Barak – que iniciou um aproximamento histórico entre católicos e judeus, mesmo que a plena reconciliação sobre questões dolorosas como a atuação de Pio XII ainda demandasse tempo e diálogo.
Em resumo, quero fazer os pontos mais sensíveis sobre o tema para minha coluna sobre o Vaticano, porque, passadas algumas décadas, o assunto voltou a ser debatido quando João Paulo II esteve em Jerusalém em 2000.
Conclusão: Um Legado Complexo, mas nem por isso omisso.
O legado de Pio XII permanece objeto de intenso debate histórico. Enquanto suas ações públicas durante a guerra podem ser vistas como insuficientes por muitos, há evidências substanciais de seu trabalho nos bastidores para salvar vidas. A abertura recente dos arquivos do Vaticano e tudo que consta ou não consta na história provam que Pio XII exerceu uma diplomacia silenciosa, mas firme, na defesa dos judeus e de todos que sofreram nas mãos de Hitler.
Juvenil Alves, Vaticanista
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