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Por que não existe base para tributar o perdão de dívidas nas transações tributárias – Uma análise jurídica e doutrinária

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Nos últimos anos, o perdão de dívidas no âmbito das transações tributárias ganhou destaque como um mecanismo essencial para a regularização fiscal e a recuperação de créditos públicos. Esse tipo de transação tem oferecido aos contribuintes oportunidades de renegociar suas dívidas e, em muitos casos, obter descontos significativos sobre os débitos originais. No entanto, o receio de uma possível tributação sobre esses descontos tem gerado dúvidas e até questionamentos judiciais por parte de empresas e pessoas físicas.

Para entender melhor o contexto e os fundamentos legais por trás da não tributação do perdão de dívidas, confira este vídeo explicativo sobre o tema.

Recentemente, algumas interpretações fiscais provocaram inquietação ao sugerirem que o perdão de dívida poderia configurar um “acréscimo patrimonial” e, assim, justificar a incidência de tributos como IRPJ, CSLL, PIS e Cofins. Neste artigo, vamos desmistificar esse entendimento, demonstrando que a legislação e a jurisprudência consolidada afastam essa tributação, garantindo segurança jurídica para os contribuintes.

Mandado de Segurança nº 5004453-97.2019.4.03.6100: um exemplo de preocupação exacerbada

Um exemplo prático dessa preocupação é o mandado de segurança nº 5004453-97.2019.4.03.6100, em que empresas buscaram proteção judicial para afastar preventivamente a cobrança de IRPJ, CSLL, PIS e Cofins sobre valores perdoados no Programa Especial de Regularização Tributária (PERT). Baseado em uma interpretação da Solução de Consulta nº 17/2010 da Receita Federal, o receio das empresas era de que o fisco poderia considerar o montante anistiado como acréscimo patrimonial.

Contudo, até o momento da impetração do mandado, não havia qualquer cobrança efetiva desses tributos, evidenciando que a ação foi motivada por um receio ainda teórico. Esse tipo de abordagem, embora compreensível, acaba “aguçando” o fisco, provocando questionamentos adicionais que poderiam ser evitados, especialmente considerando a legislação recente que ampara a não tributação nesse contexto.

A Legislação vigente e a inexistência de fato gerador

A Lei nº 14.375/2022, ao alterar a Lei nº 13.988/2020, estabelece que “os descontos concedidos nas hipóteses de transação […] não serão computados na apuração da base de cálculo” de IRPJ, CSLL, PIS e Cofins. Essa previsão legal reforça que o perdão de dívidas não se caracteriza como acréscimo patrimonial e, portanto, não gera fato gerador para fins de tributação.

Por que não há base legal para tributar o perdão de dívidas?

Além do respaldo da Lei nº 14.375/2022, os principais argumentos para afastar a tributação sobre o perdão de dívidas são:

  1. Ausência de disponibilidade econômica ou jurídica de renda: segundo o artigo 43 do Código Tributário Nacional (CTN), o fato gerador do IRPJ é a aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica de renda ou proventos de qualquer natureza. No perdão de dívidas, não há entrada de novos recursos ao patrimônio do contribuinte; ocorre apenas a extinção de uma obrigação preexistente, sem disponibilidade econômica ou jurídica para justificar a tributação.
  2. Conceito jurídico de receita: para a incidência de PIS e Cofins, é necessário que exista receita efetiva, nos termos das Leis nº 10.637/2002 e nº 10.833/2003. O perdão de dívida não gera receita, pois não representa uma entrada financeira nova e positiva no patrimônio do contribuinte.
  3. Princípios constitucionais: a tributação sobre o perdão de dívidas afronta os princípios da capacidade contributiva e do não confisco, previstos na Constituição Federal. Tributar uma situação que não representa efetivo aumento de riqueza fere a lógica de que a tributação deve se basear na real capacidade econômica do contribuinte.
  4. Precedentes judiciais do STJ: o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem jurisprudência clara sobre o tema. No julgamento do EREsp 1.517.492/PR, o Tribunal concluiu que créditos presumidos de ICMS, por não configurarem renda ou lucro tributável, não devem integrar a base de cálculo do IRPJ e da CSLL. Esse entendimento se aplica analogamente ao perdão de dívidas, que também não representa acréscimo patrimonial.

A posição da Receita Federal: Solução de Consulta nº 17/2010 e suas limitações

Apesar de toda a fundamentação legal e jurisprudencial, a Receita Federal, na solução de consulta nº 17/2010, argumenta que o perdão de dívida configuraria um acréscimo patrimonial, baseando-se no conceito contábil de “insubsistência passiva”. A extinção de um passivo sem desembolso efetivo seria, segundo esse entendimento, um aumento do patrimônio líquido e, portanto, sujeito à tributação.

Essa posição, no entanto, é juridicamente frágil e passível de contestação:

  1. Soluções de consulta não criam obrigação tributária: por se tratar de um ato administrativo, a solução de consulta não tem força de lei. A Constituição Federal exige que a criação ou majoração de tributos seja estabelecida por lei (art. 150, I, CF).
  2. Diferença entre conceitos contábeis e jurídicos: o conceito de “insubsistência passiva”, embora tenha implicações contábeis, não é equivalente a “renda” para fins tributários. A mera redução de passivo não configura renda ou provento juridicamente tributável.

A legislação vigente, a jurisprudência do STJ e os princípios constitucionais são claros ao afastar a incidência de tributos sobre o perdão de dívidas em transações tributárias. O contribuinte está juridicamente protegido contra uma interpretação ampliativa que buscaria tributar descontos obtidos em programas como o PERT.

Para aqueles que ainda não ajuizaram medidas preventivas ou mandados de segurança, a recomendação é de cautela. A provocação do fisco com consultas ou ações judiciais desnecessárias pode acabar despertando interpretações fiscais desfavoráveis. Em suma, “não se cutuca onça com vara curta”. O silêncio, em muitos casos, é a estratégia mais segura, especialmente quando o respaldo jurídico já é suficiente para garantir os direitos do contribuinte.

Referências Bibliográficas:

  • Constituição Federal;
  • Código Tributário Nacional;
  • Leis nº 13.988/2020 e 14.375/2022;
  • Jurisprudência do STJ: EREsp 1.517.492/PR, REsp 211529/SP;

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