Representantes de setores da economia brasileira que lideram as relações comerciais com a Argentina acreditam que, no curto prazo, a vitória nas eleições presidenciais do ultradireitista Javier Milei não deve impactar o volume de comércio com o país vizinho. Durante a campanha eleitoral, Milei fez declarações que deixaram autoridades brasileiras atentas, já que o país sul-americano é o terceiro maior parceiro comercial do Brasil, segundo a Secex (Secretaria de Comércio Exterior).
Além de prometer dolarizar a economia e de “queimar” o Banco Central argentino, Milei já chegou a falar que poderia retirar a nação vizinha do Mercosul (Mercado Comum do Sul), acordo comercial que tem como estados-membros o Brasil, a Argentina, o Paraguai e o Uruguai, além de manter relação com países associados da América do Sul.
Tanto que a vitória de Milei levou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a ligar, nesta segunda-feira (20), para a presidente da Comissão Europeia para agilizar as conversas sobre o acordo entre o Mercosul e a União Europeia, em meio aos temores no governo de que o acordo esteja em risco após a posse do presidente eleito no último domingo (19).
Mas apesar das declarações, o engenheiro agrônomo Alcides Torres, diretor-fundador da Scot Consultoria, do setor agropecuário, acredita que Milei encontrará resistência no Parlamento para colocar em prática tudo o que ele diz. “A gente precisa ver se ele conseguirá governar. A Argentina é um país culto, as pessoas leem, os jornais circulam. E acabou o tempo das bravatas. Agora é o tempo da ação. Então, vamos ver o que ele é capaz de fazer de fato. Por enquanto, acredito que nada muda”, afirmou à Folha de S.Paulo.
No acumulado deste ano até outubro, a soja foi o produto que liderou as exportações do Brasil tanto para a Argentina como para a China, totalizando US$ 1,98 bilhão e US$ 34,79 bilhões, respectivamente.
Durante a campanha eleitoral, Milei disse que acabaria gradualmente com as “retenciones”, que são as taxas de exportação do país. Esse imposto sobre a soja atualmente está em quase 35% na Argentina. No Brasil, varia de 17% a 24%, dependendo da região. Isso deve tornar a disputa desigual para as exportações brasileiras.
“Ele disse que vai abolir todas as retenções, sem exceção. Ele disse que vai remover todas as restrições ao comércio internacional, incluindo cotas, tarifas, permissões e autorizações. E disse também que vai mudar a legislação de sementes. Traduzindo isso, está falando que vai mexer com as patentes de sementes transgênicas”, diz Torres.
“Se tudo isso funcionar, a gente realmente tem um problema pela frente. Mas é difícil, a gente sabe que essas coisas todas levam tempo, custam caro e a Argentina está quebrada”, diz. Um dos líderes no comércio entre Brasil e Argentina, inclusive na dianteira das importações em 2023 com o segmento de veículos para transporte de mercadorias e usos especiais, o setor automotivo não deve sofrer alterações em sua relação com o país vizinho.
Em nota, a Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores) disse julgar que o fluxo do comércio automotivo “deve continuar a ser fortalecido e incrementado” entre ambas as nações, beneficiando as demandas dos seus respectivos mercados. “Os mercados automotivos brasileiro e argentino são complementares e até certo ponto interdependentes, tanto no comércio de veículos como no de peças e equipamentos. A Argentina é um dos principais parceiros comerciais do Brasil no setor e ao longo dos anos as nossas relações comerciais foram aperfeiçoadas chegando aos atuais importantes patamares de volumes”, disse a entidade.
No acumulado deste ano até outubro, as exportações brasileiras de partes e acessórios de veículos automotivos e de veículos de passageiros para a Argentina somaram US$ 2,89 bilhões. Já as importações dentro do setor automotivo totalizaram US$ 3,91 bilhões.
Procurado pela reportagem, o presidente da Abicom (Associação Brasileira de Importadores de Combustíveis), Sergio Araujo, também disse que não acredita na mudança do comércio entre os dois países. Atualmente, não existe a comercialização de combustíveis fósseis entre ambas as nações, mas os óleos brutos de petróleo ou de minerais betuminosos estão em terceiro lugar entre os produtos mais importados pelo Brasil da Argentina, totalizando US$ 786 milhões. (STÉFANIE RIGAMONTI/FOLHAPRESS)
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